O Chefe de Estado, João Lourenço, defendeu, esta segunda-feira, em Dakar, Senegal, uma reacção vigorosa contra os actos de terrorismo e mudanças inconstitucionais em África, assente numa política de tolerância zero em relação às instituições e figuras saídas de golpes de Estado.
O estadista angolano defendeu a posição durante a sua intervenção na cerimónia de abertura do 8º Fórum Internacional de Dakar sobre Paz e Segurança em África, que este ano se subordina ao lema "A África face a choques exógenos: desafios à estabilidade e soberania”.
O Chefe de Estado, que se fez acompanhar, no Fórum que esta terça-feira termina, pela Primeira-Dama da República, Ana Dias Lourenço, referiu que estes dois problemas, que, como sublinhou, violam, gravemente, a Carta da União Africana, a Constituição e os princípios básicos da democracia dos países em causa, nem sempre encontram, "infelizmente”, resposta vigorosa, capaz de os desencorajar a continuar.
"Esta prática não constitui solução para nenhum problema interno que prevaleça em cada um dos nossos países, devendo, por isso, merecer, de todos, uma reacção vigorosa, assente numa política de tolerância zero relativamente às instituições e figuras saídas de Golpe de Estado”, destacou.
O Presidente João Lourenço, que discursava na presença de outros estadistas africanos e de várias individualidades internacionais, presentes no evento, referiu que as mudanças inconstitucionais em África, mesmo ali onde não houver derramamento de sangue, não podem ser encaradas como algo normal e ficar-se à espera da vontade dos golpistas para o regresso à normalidade constitucional, "quando e se os golpistas assim o entenderem”.
O Presidente João Lourenço, que ostenta, neste momento, o título de "Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África”, apontou, como um dos caminhos para a alteração deste quadro, a realização de trabalhos coordenados entre as organizações regionais e a União Africana, de modo que as iniciativas que vierem a ser empreendidas conduzam a resultados efectivos e capazes de ajudar a restabelecer a confiança, a paz e tranquilidade, a ordem e segurança necessárias ao progresso e desenvolvimento do continente.
O Chefe de Estado ressaltou que os conflitos armados verificados no continente, que afectam a vida das populações e das economias dos países, têm condicionado o desenvolvimento económico e social de África.
"Prevalecem, em todas as regiões do nosso continente, conflitos de natureza e origem diversa, o que configura, naturalmente, uma dinâmica que devemos procurar reverter a todo o custo”, exortou.
Por outro lado, o Chefe de Estado salientou que Angola, em razão da experiência e história recente, não tem poupado esforços na busca de soluções que promovam a paz no continente.
"Este espírito está sempre presente e, agora, com responsabilidades acrescidas por nos ter sido concedida por Vossas Excelências, na Cimeira de Malabo de Maio do corrente ano, a tarefa de promover acções e iniciativas que concorram para o reforço da compreensão e da reconciliação nacional a nível do continente”, frisou.
Avanços registados
Sobre este particular, o Chefe de Estado destacou as acções levadas a cabo por Angola, no quadro da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), um mecanismo que disse ser prático, funcionado bem e revelado útil no que concerne ao acompanhamento dos problemas que afligem à sub-região da África Central, designadamente o conflito fronteiriço entre o Rwanda e a República Democrática do Congo, entre o Uganda e o Rwanda, e o que subsiste na República Centro Africana.
"Posso dizer, com certa esperança, que, apesar de se verificarem, ainda, algumas ocorrências preocupantes, também se observam sinais encorajadores quanto à probabilidade de se restabelecer a confiança entre as partes e, em função deste clima, dar-se continuidade ao diálogo encetado entre os países irmãos implicados no processo de pacificação que decorre na sub-região”, assegurou.
Ainda no âmbito dos esforços de Angola na busca de soluções para a paz e segurança no continente, o Presidente realçou os entendimentos alcançados, em Nairobi e em Luanda, em resultado dos quais se criou um Mecanismo de Verificação ad hoc, cuja missão, como adiantou, poderá contribuir para o desanuviamento da tensão existente na fronteira entre a RDC e o Rwanda e permitir, assim, que sejam feitos importantes progressos na normalização da situação no terreno e nas relações entre os dois países.
O estadista angolano apelou, na ocasião, a não se deixar para trás, no âmbito da busca de soluções pelos conflitos armado em África, o verificado na região do Tigray, na Etiópia, devendo continuar a merecer a permanente atenção das lideranças africanas até que se alcance a paz definitiva.
"É nosso dever não deixarmos as populações entregues à sua sorte, num momento em que enfrentam uma grave crise humanitária, ao mesmo tempo que encorajamos todos os esforços de mediação que buscam o fim pacífico e definitivo deste conflito”, aclarou.
Outro assunto levantado pelo estadista angolano na 8ª edição do Fórum Internacional de Dakar sobre Paz e Segurança em África foi a segurança alimentar em África.
Para o Presidente João Lourenço, este assunto deve merecer, também, a atenção dos líderes africanos, por ser uma componente importante da paz e da segurança.
Disse que a escassez de alimentos e de água para consumo humano tem várias causas que os governos africanos procuram superar com diferentes projectos e programas, mas, apesar disso, salientou que a seca severa, em algumas regiões do continente, provoca verdadeiras catástrofes humanitárias, como acontece, sazonalmente, em alguns países do Sahel, na Somália, e parte do Quénia.
"Com a seca prolongada, vem a pobreza extrema, a perda de gado que, às vezes, constitui a única fonte de riqueza das populações”, frisou o estadista angolano, para quem a pobreza extrema é um campo fértil para os traficantes de seres humanos, prostituição, emigração ilegal para a Europa ou mesmo para alimentar as fileiras dos movimentos fundamentalistas, que provocam instabilidade e fomentam o terrorismo no continente.
"Não podemos baixar os braços perante as consequências das alterações climáticas e suas consequências sobre as populações, sobre as economias, que têm reflexos negativos na paz e segurança dos nossos países”, exortou.
Segurança universal
No quadro da busca pela paz no mundo, o Chefe de Estado defendeu a paz no Médio Oriente, a resolução do conflito israelo-palestiniano (à luz das pertinentes resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas), a resolução negociada e pacífica do conflito da península coreana, assim como a necessidade de se alcançar o cessar-fogo, imediato, e a retomada das negociações para se pôr um fim definitivo à guerra na Ucrânia.
"Como parte integrante deste mundo global, defendemos, não apenas a paz e segurança para o nosso continente, mas a paz e segurança universal”, concluiu.
Consequências da Covid-19
O Chefe de Estado ressaltou que o combate que se vinha travando contra a pobreza e os programas virados para este objectivo não só tiveram que ser postergados como deixaram de contar com os recursos de que se dispunha, "que já não eram muitos”, por terem sido canalizados para o combate à Covid-19 e para a mitigação dos seus efeitos mais directos.
Nesta conformidade, disse ser necessário reconhecer que a pobreza aumentou exponencialmente a probabilidade de surgirem novos factores de tensão susceptíveis de originar conflitos.
Em função disso, o Presidente João Lourenço defendeu a necessidade de encarar esta situação com a necessária objectividade e procurar resolvê-la com base na utilização racional e responsável dos recursos de que o continente dispõe, a fim de o prevenir contra o aproveitamento malicioso das dificuldades por forças adversas.
Numa altura em que o continente se preparava para reerguer-se dos efeitos da pandemia da Covid-19, o Chefe de Estado disse ter surgido o conflito entre a Rússia e Ucrânia, cujas consequências incidiram, de forma tão dramática, no empobrecimento das famílias africanas, em decorrência das dificuldades de acesso aos insumos agrícolas e de bens alimentares fundamentais.